Conceitos anatómicos básicos
A coifa dos rotadores é formada por quatro unidades tendinosas: supraespinhoso, infraespinhoso, pequeno redondo e subescapular. O tendão do supraespinhoso insere-se na cabeça umeral, na grande tuberosidade ou troquíter. O tendão do infraespinhoso continua posteriormente até à porção inferior da cápsula, onde o pequeno redondo se insere. O subescapular insere-se na pequena tuberosidade, ou troquino1.
Patogénese da rotura da coifa
A patogénese ou causa da rotura da coifa dos rotadores é multifactorial, e pode ser classificada em: intrínseca, extrínseca, traumática, ou uma combinação de todas estas2.
Rotura de causa intrínseca: relacionam-se com uma tendinopatia por falência das fibras de colagéneo da coifa dos rotadores, quer por falta de uniformidade dos feixes de colagéneo, quer por uma relativa hipovascularidade da face articular relativamente à face bursal, que contribuem para a fraqueza da coifa na face articular e conduzem a roturas degenerativas associadas com o processo de envelhecimento. As roturas degenerativas caracterizam-se frequentemente por delaminações extensas, ou podem permanecer intratendinosas.
Rotura de causa extrínseca: o conflito extrínseco por diminuição do espaço para a excursão do tendão supraespinhoso, é causado por anomalias do arco coraco-acromial, podendo resultar em irritação da coifa e ter um papel importante em muitas roturas da coifa, sobretudo as da face bursal, mas também as da face articular, estas últimas por um mecanismo de transmissão de stress diferencial afectando a anatomia das camadas da coifa 3. As alterações traumáticas da coifa estão mais frequentemente associadas a roturas da face articular do que a roturas da face bursal, por quedas com ponto de aplicação directo no ombro, por micro-traumatismos de repetição ou por actividades repetitivas acima do nível do ombro (em trabalhadores manuais ou em atletas). No entanto, as roturas parciais degenerativas podem ocorrer em indivíduos mais idosos sem história de traumatismo; e as roturas da face articular podem ocorrer na ausência de conflito extrínseco, no contexto de uma instabilidade glenoumeral, que origina forças de stress em tracção na coifa dos rotadores (conflito interno proposto por Walsh 4).
Tipo e Padrão de rotura da coifa dos rotadores
Uma rotura da coifa dos rotadores pode ser classificada em: rotura maciça, se afectar todos os tendões da coifa; rotura completa, se o tendão da coifa envolvido for afectado em toda a sua espessura; ou rotura parcial, se envolver apenas a face bursal ou a face articular, ou ambas as faces de um tendão da coifa sem ser contudo transfixiva.
Tratamento da rotura da coifa dos rotadores
ROTURA MACIÇA DA COIFA DOS ROTADORES
O tratamento conservador da rotura maciça da coifa dos rotadores tem indicação em doentes cujos sintomas não envolvam dor significativa. Uma melhoria funcional poderá ser conseguida através da modificação das actividades, infiltração intra-articular com cortico-esteróides, e fisioterapia com ênfase no fortalecimento do deltóide anterior5, e com vista a uma reeducação do recrutamento muscular, coordenação da contracção muscular, fortalecimento peri-escapular, manutenção do movimento articular e melhoria da propriocepção. Os doentes devem ser instruídos em técnicas de adaptação de longo prazo, através das quais possam evitar um stress excessivo sobre a cintura escapular. O tratamento cirúrgico da rotura maciça da coifa dos rotadores pode estar indicado em doentes com dor significativa, sendo várias as opções cirúrgicas existentes, mas qualquer que seja o procedimento, este deve ser realizado por via artroscópica do ombro, para minimizar a agressão cirúrgica, e consequentemente causar menos dor pós-operatória e acelerar a recuperação:
- Desbridamento e descompressão, cujo objectivo único é a resolução da dor em doentes cuja função esteja relativamente preservada, ou naqueles doentes incapazes de colaborar com um programa de reabilitação extenso. Consiste em remover as fontes da dor, através do desbridamento das extremidades do tendão rasgado, e duma ligeira bursectomia, poupando o ligamento coracoacromial, enquanto última barreira ao escape antero-superior da cabeça umeral;
- Tenotomia ou tenodese da longa porção do bicípite, sendo que a evidência indica que a longa porção do bicípite braquial pode ser uma fonte significativa de dor nestes doentes, não existindo evidência que suporte a teoria de que a sua remoção contribua para a ascenção da cabeça umeral;
- Reparação completa da coifa dos rotadores, em que a dificuldade na mobilização do tendão até ao seu local de inserção no troquíter é potencialmente ultrapassável pela remoção de aderências e pela libertação do intervalo entre a cápsula articular e o labrum glenoideu, contudo a reparação completa poderá ser condicionada pela qualidade do tendão existente, e ainda pelo facto da excessiva mobilização do tendão (superior a 3 cm) poder conduzir a lesão do nervo supraescapular, com resultados inferiores.
- Reparação completa da coifa dos rotadores com recurso a enxertos, carece ainda de fundamentação, com alguns estudos a apresentarem taxas de falência de 100%6, e estudos comparativos prospectivos randomizados evidenciando resultados piores nos casos em que foi utilizado o enxerto na reparação7.
- Reparação parcial da coifa dos rotadores, perante a impossibilidade de obter uma reparação completa, pode permitir uma melhoria clínica considerável, com melhoria funcional do ombro, recuperação de força e de arco de mobilidade, seja através da restauração de algum do equilíbrio da cinemática glenoumeral8, seja por descomprimir o nervo supraescapular em sofrimento numa coifa retraída9.
- Transferências tendinosas (utilizando o grande dorsal, ou o grande redondo, ou o grande peitoral, consoante o padrão da rotura) podem ser uma opção em doentes jovens cuja queixa primordial seja a fraqueza muscular, e em que quer uma reparação completa, quer uma reparação parcial da coifa dos rotadores, sejam inviáveis.
- Artroplastia total invertida do ombro, ou substituição da articulação do ombro com prótese não anatómica, que pode ser uma opção para controlo da dor refratária aos medicamentos em doentes muito idosos com rotura maciça da coifa dos rotadores. Só é possível de realizar por via aberta.
ROTURA COMPLETA DA COIFA DOS ROTADORES
O tratamento conservador poderá constituir sempre uma opção em doentes cujos sintomas não envolvam dor significativa, contudo o doente deve ser informado da história natural da rotura completa de um tendão, sendo que um dos objectivos do tratamento cirúrgico, através da reparação da rotura completa, é evitar a progressão para uma rotura maciça da coifa dos rotadores, por sobrecarga da coifa restante. A idade, actividade, e expectativas do doente são critérios de decisão: sabemos que a idade inferior a 60 anos, e uma história com menos de um ano de evolução das queixas, são factores favoráveis ao sucesso de uma reparação cirúrgica de uma rotura completa; mas, em indivíduos idosos com poucas expectativas funcionais poder-se-á defender a abordagem conservadora.
ROTURA PARCIAL DA COIFA DOS ROTADORES
No caso de uma rotura parcial da coifa dos rotadores sintomática, o tratamento deverá visar corrigir o diagnóstico primário, tal como um conflito subacromial, ou uma instabilidade glenoumeral, que esteja a produzir a rotura parcial de forma secundária. Contudo, nem todas as roturas parciais são sintomáticas, tornando-se razoável optar inicialmente por tratar conservadoramente o diagnóstico primário, quer através da modificação das actividades, quer através da utilização de medicação anti-inflamatória não esteróide ou da eventual utilização de infiltrações intra-articulares de cortico-esteróides, e através da reabilitação para restaurar a mecânica articular normal e fortalecer a coifa dos rotadores e estabilizadores da omoplata. Na falência do tratamento conservador, com uma duração mínima de 3 meses, opta-se pelo tratamento cirúrgico. Este deve também ser dirigido ao diagnóstico primário, produtor da rotura parcial (instabilidade, conflito, etc), para além da lesão em si, sob pena de, se tal não acontecer, ficarmos perante um mau resultado final, já que a causa da lesão se irá perpetuar. O gesto cirúrgico sobre a rotura irá variar consoante a idade e actividade do doente, podendo num indivíduo idoso justificar-se o simples desbridamento da lesão, mas num indivíduo jovem e activo será necessário proceder à reparação da rotura. Qualquer que seja o tipo de rotura da coifa, a reabilitação pós-operatória será sempre condicionada pelas diferentes opções cirúrgicas, tornando imprescindível uma boa comunicação entre o cirurgião e o fisiatra e os fisoterapeutas: uma maior complexidade da reparação cirúrgica implica uma maior necessidade de protecção da reparação durante mais tempo, tornando expectável um período de reabilitação bastante mais longo, com um período de imobilização inicial importante, com um atraso variável da introdução da mobilização activa resistida; uma realização de gestos cirúrgicos mais simples, tais como o desbridamento e descompressão, requer uma abordagem da reabilitação sobretudo centrada no controlo da dor, com início da mobilização activa mais precoce.
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